domingo, 22 de fevereiro de 2009

O homem é um vírus

Flávio Dieguez

O ser humano sempre sofreu uma espécie de Síndrome de Narciso que o levou a construir mitos de si mesmo, como o de considerar-se feito à "imagem e semelhança de Deus" ou o "coroamento da criação". É como se toda a evolução biológica que o precedeu fosse uma espécie de ensaio da natureza para atingir o ápice da perfeição: o surgimento do Homo sapiens.

Mas tente esquecer por um momento todas essas narrativas egocêntricas da humanidade e veja o homem como apenas mais um animal disputando espaço na Terra. É aí que essa compulsão auto-elogiosa vai toda por água abaixo. Assim como no filme Matrix, a raça humana pode ser encarada como uma espécie de praga violenta, egoísta, insensível ao resto do mundo e ao seu próprio destino. Uma espécie de vírus.

O argumento do filme é bem conhecido: sob o controle absoluto das máquinas, num futuro distante, o planeta é transformado num imenso computador em que os antes gloriosos Homo sapiens representam meras tomadas — ou "pilhas", que servem para alimentar essas máquinas. Mas não se dão conta disso por que têm o cérebro conectado em um programa de computador global, simulação perfeita de toda uma "realidade" que pensam ver, sentir, tocar. É nesse mundo virtual que trabalha o agente Smith, um programa encarregado de perseguir os seres humanos que se tornam conscientes da empulhação eletrônica. Ao capturar o líder humano, Morpheus, Smith confessa que tudo o que quer é largar o emprego o quanto antes para ficar longe do vírus da humanidade.

Do ponto de vista biológico, a comparação de Smith não é descabida. Até onde sabemos, os vírus se diferenciam de outros microorganismos por um comportamento autodestrutivo. Para se multiplicarem, eles atacam às cegas e terminam destruindo seus próprios meios de multiplicação. Conclusão: o êxito dos vírus, ao eliminar seus hospedeiros, é uma espécie de suicídio. São bem diferentes das bactérias, que, embora sejam mortais, também podem conviver democraticamente com as células dos outros organismos e até ajudá-las, em muitos casos. É o caso do corpo humano, que contém um número infindável de bactérias, muitas delas fundamentais em funções como a nossa digestão.

É provável que o homem esteja mais próximo do ímpeto suicida dos vírus do que das bactérias. Há pouca dúvida de que o Homo erectus, desde que surgiu no planeta, entre 100000 e 200000 anos atrás, deixou um rastro assustador. Primeiro, porque revela uma proliferação contínua e, pelo menos até agora, em ritmo cada vez mais rápido, em termos evolutivos. Passamos de um conjunto esparso de bandos nômades, com uma população mundial estimada em apenas cinco ou dez milhões de indivíduos, para uma multidão de seis bilhões. Basta desenhar um mapa-múndi numa folha branca de caderno e representar a população humana com pontos pretos, como o ponto final dessa frase, para você ter uma idéia da nossa proliferação. Se cada um dos pontos representar um milhão de habitantes, o mapa ficará quase totalmente negro, com 6000 pontos cobrindo os continentes.

Atualmente, estamos acrescentando ao mundo, todos os anos, cerca de 87 milhões de novos cidadãos (um México inteiro). Em 2012, teremos adicionado mais uma China ao planeta, cerca de um bilhão de pessoas.

O segundo aspecto, ainda mais desanimador, consiste na aparente irracionalidade viral dessa evolução. A paleontologia revela que os humanos eram numerosos, inicialmente; havia dezenas de espécies semelhantes, com características distintas. Hoje só há uma, o que pode ser sinal de um beco sem saída, como chamou a atenção, diversas vezes, o paleontólogo americano Stephen Jay Gould (falecido este ano). Do ponto de vista das outras espécies, está bem claro agora que nenhum dos grandes mamíferos e boa parte dos menores terá condições de resistir se a raça humana continuar crescendo assim. E só uma parte dos restantes, provavelmente, poderá ser preservada em reservas e parques. As aves, os répteis, os peixes e as árvores terão destino parecido. Isso para não falar no reino mineral: nos rios, nas montanhas e nos oceanos poluídos, explorados inconseqüentemente pelos homens.

Como consolo, resta a constatação meio psicanalítica de que, se nos comportamos como vírus, pelo menos, somos uma espécie de vírus que tem consciência dos erros que comete. Freud dizia que a cultura é, de certa forma, um produto da auto-repressão aos instintos primários, um conflito que se resolveria por meio da criatividade. É possível, portanto, que a imaginação nos ajude a diminuir o trator, digamos, virulento da civilização.

"A humanidade prolifera na Terra como um vírus ataca um organismo"

2 comentários:

Eder Juno disse...

Este texto, que não é seu, inicia falando sobre mito, mas voçê sabe o que é um mito? existem várias difinições, mas a que se resume emtodas é: a criação imaginária do ser. Deuses, ou Deus é um mito. O texto cita Matrix, e faz uma colocação argumentando, mas o filme Matrix foi inspirado na obra de Jean Baudrillard - Simulacros e Simulações -, que não se refere a nada que voçê colocou, mas sim apenas uma percepção ontológica que aprisiona as pessoas em jaulas onde não se vê as grades. E é realmente isto que acontece com as pessoas.

Erasmo Portavoz disse...

Estou escrevendo sobre a praga humana, há algum tempo. não falaria de matrix, e sim de "O planetas dos macacos", onde o homem é dominado por uma espécie qua na realidade é considerada menos evoluida. No filme,a raça humana é considerada uma praga que ataca lavouras e destroem platações e os macacos uma espécie de protetores do meio ambiente contra a ploriferação humana.
É isso que nós somos(virus) e é pra lá que nós vamos(autodestruição.